Clarens, Martigny e Champex Cabane de Triant, sexta-feira 07 de julho 2006.

Dia dos meus 60 anos, depois do café da manhã na varanda, terminei de arrumar minha mochila para a excursão com o Jean-Michel. Partimos de Clarens por volta das 11:00 e 11:30 já estávamos em Martigny na casa da Danielle onde almoçamos e fiquei à espera do Jean-Michel que concordou em me levar para uma excursão pelos Alpes do Valais e marcou para 14:00h o encontro na casa da Danielle. Enquanto esperava a hora da partida para a tão desejada jornada, aproveitei para mandar notícias para os filhos e os amigos.

E-Mail enviado neste dia:

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Queridos filhos, queridos amigos não montanhistas e montanhistas;

Depois de uma semana na Suíça estou lhes enviando o primeiro E-Mail; é meus camaradas tem feito tempo excelente e não tenho tido tempo de parar na casa de algum amigo que tenha internet.

Desde que chegamos aqui, já fizemos 3 caminhadas pelos pré-Alpes e Alpes suíços ; é meus camaradas, eu posso me intitular alpinista ; das 3 investidas, duas foram bem longas, uma na região de Zermatt, tendo como pano de fundo o famoso Matterhorn (Cervin) com 4 horas de efetiva caminhada e desnivelação de aproximadamente 700m e ponto culminante da caminhada a 2.600m, outra com 6 horas de efetiva caminhada, e ponto culminante de 2.025m passando por uma gruta cuja entrada e saída estavam ainda com bastante neve e o interior mais parecia um freezer com alguns trechos do piso com placas de gelo e a terceira visitando uma cabana do clube alpino suíço a 2.825m de altitude com uma visão impressionante para uma geleira bem abaixo da cabana ; a Sylvia tem me acompanhado em todas estas jornadas e tem suportado bem o esforço, ela só reclama um pouco quando tendo opção de itinerário, na hora de optar por um caminho eu sempre escolho o mais difícil ; afinal de contas, montanhista tem que merecer este rótulo, não é mesmo ?

Nesta segunda-feira dia 03, fomos assistir (foi um presente surpresa para os meus 60 anos, que aliás completo hoje dia 07 de julho) a um showsaço de nada mais nada menos que ”B.B.King”; fomos ao ”Stravinski Auditorium de Montreux” e durante 4 horas de puro ”Blues” curtimos o show ”A Night with B.B. King and Friends”, simplesmente maravilhoso, quando o velhinho começou a tocar o imenso auditório que estava super lotado quase veio abaixo e eu chorei de emoção; realmente a vida é bela e vale a pena ser vivida e participar de momentos como este; obrigado a minha família que me deu este presente, obrigado aos amigos por me aturarem e obrigado ao bom Deus por me permitir viver tudo isso!

Beijos e abraços para todos e até logo.
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A realização da excursão chegou a ser ameaçada por causa das condições atmosféricas da véspera e desta manhã, mas felizmente, nosso guia é bem informado e apostando nas previsões para as próximas horas e para amanhã, que são de tempo bom, confirmou a jornada apenas com ligeiro atraso em relação ao seu início. Pouco antes da hora marcada o Jean-Michel chegou acompanhado da sua companheira Josiane e do amigo Ernest, este último já tem 79 anos de idade, êta povo bom de marcha. Depois dos últimos acertos, pegar os sticks, um par de óculos de montanha, os crampons e o piolet que a Danielle me emprestou, partimos de Martigny 14:05h e às 14:30h estacionamos ao lado da estação da télésiège em Champex, e sem demora às 14:35h embarcamos cada um com sua respectiva mochila em sucessivas gôndolas da instalação que nos levou para a estação superior aonde desembarcamos às 14:50h.

Finalmente às 14:55h iniciamos a nossa jornada a partir de La Breya 2.198m de altitude, para uma caminhada de 6,2km e 972m de desnível até a Cabane du Trient aonde dormiremos esta noite para pela manhã caminhar mais 3,7km até o cume da Aguille de Tour. No caminho para nosso objetivo de hoje, ultrapassamos um grupo de adolescentes holandeses que também subiam para a mesma cabana que nós e até conversei um pouco com uma das meninas do grupo que falava francês. Antes de entrar na Cabane D’Orny a 2.831m aonde fizemos uma pausa das 16:50h até 17:20h com 8°C de temperatura no exterior da mesma, parada para café, fiz algumas fotos com dois dos adolescentes holandeses que fizeram questão de guardarem a minha imagem, eu já estou acostumado com esta situação.

Prosseguindo nossa subida e o tempo que estava meio encoberto desde o início da empreitada, tornou-se mais pesado e durante um breve período chegou até a nos brindar com uma precipitação de um pouco gelo bem fininho que nos obrigou a vestir um agasalho. A chuvinha gelada parou antes de chegarmos na Cabane du Triant do CAS section Diablerets 3.170m que adentramos por volta das 18:20h, e enquanto os meus companheiros já se punham à vontade em seu interior, um terceiro holandês veio me pedir para também ser fotografado comigo, é, ser o único negro no meio de quase uma centena de montanhistas na maioria lourinhos, chama a atenção por aqui!

Também me livrei da mochila, do calçado de montanha e até de alguma roupa e fiquei à vontade e pouco antes das 19h nos sentamos à mesa para jantar: uma deliciosa sopa, uma salada com verduras e legumes e uma suculenta macarronada ao sugo, tudo regado a um bom vinho tinto suíço oferecido pelo Ernest, para brindar meu aniversário. O abrigo está lotado e assim que terminamos de comer, nos levantamos para dar lugar à próxima leva de famintos montanhistas desejosos de também se alimentarem. Deixamos o refeitório e passamos para outra sala onde vários outros montanhistas conversavam sobre assuntos diversos, incluindo é claro os projetos para os objetivos do dia seguinte.

Depois de algum papo, peguei os crampons que a Danielle me emprestou para que o Jean-Michel os ajustasse às minhas botas de montanha, aliás, botas que pertencem a ele que me emprestou para esta jornada, e a seguir bebemos um bom chá quentinho antes de, lá pelas 22:00h nos recolhermos ao dormitório. No cômodo que ocupamos havia espaço para 8 montanhistas, mas além do nosso grupo só tinha mais dois.

Cabane du Trient, Martigny e Clarens, sábado 08 de julho de 2006.
As instalações da cabana são impecáveis, você não precisa levar nada, lá tem colchão, lençol e cobertor bem quente e dorme-se muito bem com todo conforto desejável para uma cabana de montanha; a cabana tem capacidade para albergar 124 montanhistas e é classificada como categoria 1. Nesta categoria estão as que geralmente possuem guardiões durante toda a temporada de excursões, servem refeição e bebidas e mediante reserva servem meia pensão. Nossa alvorada se deu 05:00h e chegando ao refeitório tinha uma mesa posta, reservada para cada grupo, ontem à noite antes de nos recolhermos nos foi perguntado o que tomaríamos no café da manhã, e sem demora nosso pedido foi servido e logo estávamos devidamente alimentados e prontos para iniciar este novo e maravilhoso dia que se anuncia glorioso.

Depois do café da manhã tratamos de nos preparar para a jornada, vestimos os baudriers, calçamos nossas botas, agasalhos, luvas e pegamos nossos sticks deixando a cabana semiequipados, só falta nos encordoarmos, o que faremos mais abaixo quando entrarmos na neve. Antes de iniciar a caminhada ainda fiz algumas fotos e o céu estava completamente azul, sem uma nuvem sequer, bela manhã. Finalmente às 06:00h partimos rumo a Aiguille du Tour, nosso objetivo maior desta excursão. Saindo da cabana temos que descer cerca de 60m de um paredão rochoso até atingir a imensidão de neve que teremos que vencer para chegar ao nosso objetivo.

Chegando na neve nos afastamos um pouco da parede e à beira do caminho tratamos de nos encordoar, eram 06:20h e 06:30h retomamos a caminhada na neve, agora, encordoados e portando um stick numa das mãos e o piolet na outra; não foi necessário o uso dos crampons, mas cada um tinha o seu par na mochila. Não fomos os primeiros a deixar a cabana, e assim sendo, já temos na nossa vanguarda vários grupos bem adiantados em suas caminhadas, alguns vão para o mesmo cume que nós, enquanto outros seguem para diferentes montanhas da região. Mas pelo visto, a Aiguille de Tour é uma das mais frequentadas daqui, pois temos outros grupos vindo de outras cabanas das proximidades com o mesmo objetivo que nós outros.

Das 07:20 até 07:30h fizemos pequena pausa pouco antes de iniciar a subida para a base da Aguille de Tour. Retomando nossa caminhada começamos a subir em direção a referida base, e em lá chegando constatamos que a subida pela via normal estava engarrafada e nos tomaria um precioso tempo. Examinando melhor o local nosso guia optou por seguir uma centena de metros adiante e subimos por um corredor nevado atingindo o rochedo a uns 40m acima da base da via normal e atingindo o cume a 3.540m às 08:45h sem atropelos e sem concorrência de outros grupos. Alguns grupos já estavam descendo, mas mesmo assim o cume ainda estava lotado e depois de apreciarmos a paisagem e tirar algumas fotos às 09:00h iniciamos nossa descida abrindo espaço para outras cordadas que estão a caminho.

Para a descida utilizamos o caminho usual e na base do rochedo, logo após atingirmos a encosta nevada e fora da trilha que continua concorrida, fizemos uma pausa para lanche e fotos de 09:20 a 09:50h, e retomando a caminhada pela geleira passamos ao largo da cabana de Trient e às 11:05 saímos da neve, paramos para desencordoar e desequipar e retomamos a caminhada 11:25h chegando de volta na cabana D’Orny 12:00h onde bebemos uma cerveja e 12:25h partimos para o trecho final de retorno, chegando a La Breya 2.198m às 14:00h e no estacionamento 14:30h encerrando assim esta memorável jornada ao cume da Aiguille de Tour.

Chegando a Martigny o Ernest com seus 79 anos de pura energia, o cara anda muito e não cansa nunca, nos convidou para um aperitivo na sua casa aonde a esposa já nos esperava com um largo sorriso e muita simpatia. Depois de algumas cervejas e deliciosos frios suíços voltamos para a casa da Danielle aonde eu desembarquei enquanto Jean-Michel e Josiane iam para casa deles para voltar mais tarde e participarem de um churrasco oferecido pela minha cunhada. Da casa da Danielle liguei para a Sylvia que estava se preparando para vir nos encontrar para participar do churrasco e naturalmente me recuperar, e enquanto esperava a chegada dela aproveitei para enviar mais um e-mail para a turma do Brasil.

E-Mail enviado neste dia:

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Queridos filhos, queridos amigos não montanhistas e montanhistas;

Ontem, o dia dos meus 60 anos, fiz uma extraordinária excursão nos Alpes do valais suíço ; parti de Martigny às 14 :05h para Champex aonde pegamos uma espécie de teleférico que nos levou até 2.198m de altitude , de onde partimos em caminhada para a cabana deTriant a 3.180m de altitude. No caminho pegamos trilha normal, caminho de pedregulhos, trechos com bastante neve e ainda passamos por outra cabana de montanha, a de Orny a 2831m de altitude; o tempo estava meio instável e entre as duas cabanas até caiu um pouco de uma fina chuva de gelo, mas nada que nos fizesse desistir da empreitada. Finalmente chegamos na cabana de Triant às 18 :20h, nos instalamos e logo tratamos de nos alimentar, sopa, salada e uma suculenta macarronada regada a um bom vinho tinto do país para brindar meus 60 anos comemorados neste 07 de julho de 2006. Nos recolhemos lá pelas 22 :00h. Hoje pela madrugada, alvorada 05 :00h e partida em direção ao nosso objetivo 06 :00h. Da cabana, poucos metros abaixo entramos na neve, e aí fomos equipados e encordoados rumo a Agulha de Tour 3.640m de altitude, fazendo um caminho 95% na neve o restante sobre rochedo até o cume aonde chegamos 08 :45h de uma manhã simplesmente fantástica, céu de um azul profundo contrastando com toda a neve à nossa volta e as dezenas de cumes nevados avistados deste ponto, desde o Matterhorn, o Mont Blanc e dezenas de outros cujos nomes vocês não conhecem.

Como a vida é bela, mas pra bem vivê-la tem que merecer ; é meus camaradas, rapadura é doce mas não é mole não. Vivamos, sejamos felizes; são meus votos para todos.

Beijos e abraços para todos e até logo.    José de Oliveira Barros (Zé)
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Antes de tomar aquele revigorante banho tratei de colocar carvão na churrasqueira deixando-a preparada para mais tarde. A Sylvia chegou e fui tomar meu merecido e a esta altura do campeonato necessário banho. O churrasco foi um sucesso e dele participaram além de mim, o churrasqueiro de dia, a Danielle com as filhas Nicole e Silvie, o namorado desta última, a Sylvia e o casal Jean-Michel e Josiane.

José de Oliveira Barros (Zé)