Via Transbaú – 5° sup/VIIa, D3 – 280 m

Sábado, 21 de agosto de 2021

Bem, desde que eu me mudei pra SP meu emocional pra escalada ficou meio abalado. Afinal, no Rio eu estava escalando todos os dias, às vezes 2 vezes por dia. Mas, por aqui tenho descoberto uns bons espaços, a Pedreira de São Roque, o Flona Ipanema, que são lugares onde consigo treinar um pouco de esportivas, mas sem muito sucesso em guiar. Tenho também ido muito pra São Bento de Sapucaí e pra Itatiaia, que são os únicos lugares com escalada tradicional que encontrei por aqui. O plano era tentar entrar na V de Vingança, participando, queria ver como me sentiria no 7a, numa escalada tradicional. O Jair, meu amigo e parceiro nessas ideias de girico do climb, sugeriu a Transbaú, na hora eu lembrei que uma amiga tinha ido e dito que era linda e de pronto respondi: “bora”. Simples e direto. Olhei o croqui e pensei… “bem, talvez eu guie só as enfiadas mais fáceis”, de 5 super, já bem no limite do que eu costumo guiar na tradicional.

Fui, comecei um pouco insegura, estranhando a rocha e pensando que queria descer, ir pra casa e não fazer mais nada! Mas, fui subindo e quando cheguei na primeira parada pensei em guiar mais um pouco, por que afinal eu estava na maior via da Pedra do Baú, quando teria oportunidade de voltar nela? A via é mista e queria aproveitar treinar a colocação dos móveis. E segui!

Quando eu olhei a fenda e puxei o primeiro móvel e quando o coloquei perfeitamente na rocha, vi que seria diferente! Saquei certeira a peça, me senti segura e muito capaz, fazendo a única coisa que eu poderia estar fazendo, estava no lugar certo, no momento certo, com a peça do tamanho certo, rs… (detalhe que foi a minha 3ª via guiada utilizando proteções móveis). Segui pra P2, numa enfiada delícia de 4 sup. Pensei, vou guiar a próxima, estou bem! Uma enfiada exposta, linda, com uma proteção somente, num terceirinho bão DEMAIS!

Quando o Jair chegou na P3, ele me disse me mostrou o primeiro tetinho da via “Estrelinha fugaz”, pra chegar nele o V sup, e depois dele um VI sup… ele disse “tenta, é protegido”…  E eu fui! Fui colocando as belezinhas das peças móveis e pensando que como eu estava conseguindo escolher tão tranquila… eu estava surpresa comigo mesma, num misto de transe, foco e contemplação! Passei o Vsup e fui pro tetinho, cheguei cansada, fui e voltei várias vezes, quando alcancei as agarras boas, as certas, aquelas perfeitas, onde meus dedos se encaixaram tão perfeitamente que eu paguei uma barra e passei atropelando o VIsup! O Jair começou a pular comemorando, quase me desequilibrou, mas eu segui! Quando eu cheguei na P4 eu gritava de felicidade! Vibrei muito!!!

É importante destacar que essa via meio que vai em paralelo com a ferrata do Baú, então a galera que estava subindo me acompanhou! Eu virava pras pessoas e dizia “vcs viram??? Olha que via foda! Olha o que eu acabei de fazer! Vcs viram! Pqp! To mt feliz!!!”, fiz um escarcéu! Causei! E pensei: “vou mandar essa via toda! Não quero nem saber! Vou mandar!!!” Da P4 pra P5 tem o primeiro crux da via. Quando o Jair chegou eu disse, eu vou!  E ele me apoiou, ele me disse que eu conseguiria, me deu uns betas, pq eu não estou acostumada com escalada em fenda, pq a fenda fazia parte do crux em 7a e as proteções eram em móveis, tudo novidade. Se eu entrei em 3 vias de 7° na vida foi muito… E foi isso, o V sup do início da enfiada foi suave, agarras grandes, boas, coloquei 2 peças móveis antes de entrar no crux. Costurei a primeira chapa e subi, uns regletinhos micro, quando eu vi já tinha passado a altura da segunda chapa, fiquei com medo, tinha passado o 7a! Desescalei e costurei no sufoco, o risco da queda me abateu. Costurei e cai! De boas, a chapa estava na altura da minha cintura.

Depois disso eu não consegui passar e fiquei com preguiça, artificializei e segui pra fenda (continuação do 7a), protegi com os móveis, acho que usei um 4 e um 2 e quando a fenda virou , coloquei mais um .75. Cheguei cansada, quando olhei ainda tinha que dar mais uma ou duas passadas pra chegar na parada, minha sapata deu uma escorregada e eu soltei um “ai, caralho, cai não!!!”. Pensei bem, vi o caminho e consegui chegar na parada! Que felicidade!!! Geral vibrando junto! Tive certeza, ia mandar a via toda! Fiz a seg do Jair e quando ele chegou, ele me disse que a via não ficaria mais difícil que aquilo… e eu disse que levaria.

Emendamos as 2 enfiadas seguintes… 55 m e 4 grampos e a tal da exposição que eu AMO!!! hehe. Eu estava cansada, a sapata machucando, Jair chegou, me deu os betas da última enfiada e eu arranquei as meias fora. Descansamos, comemos! Coloquei uma música pra me ajudar a me concentrar … coloquei logo a “Feeling Good” da Nina Simone, por que era a óbvia escolha! Saí pra última enfiada, pensando “caraio, 5sup, 6sup, 7a! Eu vou mandar!!!”… entrei no diedro de 6°, com calma e cautela! Entrei forte e presente! Fui que fui!

O último lance da via era o segundo crux, outro 7a! O último, não dava pra roubar, me entalei de um jeito estranho no final da fenda, descansei, pensei… pensei… pensei “depois desse acabou! Vou fazer, como fazer!???”. Nem sei como eu fiz, mas eu fiz! Passei pelo meio no mato, depois para voltei para as agarras e cheguei na parada! Noooossa! Fiz uma festa!!! Os guias da ferrada vinham me parabenizar enquanto eu fazia a seg do Jair! Quando ele chegou eu exclamei: “hoje não tem ninguém mais feliz que eu no Baú!”. Comemoramos muito!

Mandei tudo!!!! 280 metros de via, num grau bem acima do que eu estou acostumada! Mandei sem as hipoglicemias que eu temo tanto, mandei com conhecimento, presente, escolhendo cada movimento com muita certeza, mandei à vista, por que a gente manda as vitórias no débito e não no crédito, rs! Mas, nem tudo são flores e no cume senti o machismo que (ainda) habita infelizmente no montanhismo: alguns guias me viam exausta e se dirigiam ao Jair… perguntando como tinha sido a via,… ele virava e falava “pergunta pra guia, ELA que sabe, mandou tudo!”

O espanto e surpresa diziam tudo e eu gostaria de agradecer a todas as montanhistas que me inspiram tanto e que me apoiam tanto! Vamos continuar subindo as montanhas que tivermos vontade! Escalar é coisa de menina SIMMMM!!!! É sobre isso… é tem dias que a gente perde, mas tem dias que a gente ganha e ganha muito.