Um portal chamado Pati

Lívia Cardoso

Acabo de sair da travessia pelo Pati, fazendo o trajeto entre Guiné e Andaraí, tendo como guia Formiga. Foi uma imersão!

Durante esses quatro dias caminhamos quase 60 km, e mais do que caminhar foi muito bom perceber o caminho, as plantas, os fungos, os animais, a água corrente, o vento, as nuvens correndo e rasgando o azul do céu…sentir um Pati vivo, que vibra.  No primeiro dia chegamos ao Guiné e iniciamos a subida para a entrada para o Pati. Não demoramos a findar a íngreme subida ao mirante do Pati, de onde é possível observar a grandiosidade desse lugar. Seguimos caminhando pelas bordas dos gerais do Rio Preto, entre os caminhos da água que escorria após as chuvas da noite anterior.

A chegada ao topo do Cachoeirão é um espetáculo à parte, principalmente depois das chuvas. Primeiro o silêncio…estamos mesmo chegando em uma imponente cachoeira? As águas correm por baixo dos nossos pés. Seria possível sentir seu movimento? O forte barulho das quedas inicia e vemos então que a água encontra seu caminho entre a rocha e aflora a 270 metros de altura, umas 9 quedas. Dali caminhamos até a Janela por entre lajeados nos quais é preciso atenção para não nos perdermos. Da Janela, em uma luz indireta de final de tarde, admiramos a Serra Negra, Castelo e Morro Branco. Descemos por um trecho bem íngreme, uma das fendas desse paredão. Depois da descida pegamos novamente uma trilha mais batida e seguimos até a casa de Agnaldo, uma das casas de apoio aos caminhantes do Pati. Lá nos reencontramos com o grupo que iniciamos a trilha, que ficaram surpresos com os 18 km caminhados. Um banho de água gelada e um jantar bem servido. Tem algo mais que podemos querer?

O segundo dia foi o mais tranquilo em relação a quilometragem, somente 9 km. Para a primeira metade do dia fomos ao mirante do Castelo, local mais alto dessa região do Pati. Ainda não há acesso ao seu cume, devido a dificuldade técnica. A subida para o mirante tem uma trilha bem demarcada, que chega a boca de uma caverna. Adentramos a escuridão e saímos do outro lado do mundo. Seguindo um trecho com muitas pedras chegamos a um dos mirantes do Morro do Castelo. Ao longe a cachoeira do Lajedo pendia. Café e dedo de prosa. Então, esticamos ao próximo mirante, com a vista para o vale adentro e seus muitos tons de verde. Descemos e já tomamos como rumo as cachoeiras, Bananeira, Funil e Lajedo, que lá do topo do mirante admiramos. Subimos pelo rio saltando de pedra em pedra, equilibrando-se na vida. Um banho gelado desperta o corpo, que se deixa massagear pela forte queda das águas. O tempo passa devagar enquanto o sol aquece a pele e energiza a alma. Voltamos pelo caminho do rio para mais um dia na casa de Agnaldo. E o algo mais que queremos é a cachaça, que nos inebria das ilusões de um mundo fora dali. Mais um dia amanhece nublado. Partimos para a casa de Seu Eduardo.

Ao chegar fomos bem recepcionados, e após café, novidades e cafuné no cachorro, fomos nos aventurar novamente. A trilha do Cachoeirão por baixo é parte uma trilha batida e seu trecho final é de pedras, as quais com o chuviscar constante da cachoeira se tornam bem escorregadias.  Quando você se dá conta, está cercado de paredões gigantes e quedas d’água espetaculares. Um mergulho nas águas geladas e senti todos os músculos do meu corpo em contração. Parei  logo abaixo de uma das quedas e deixei a água levar…pensamentos e sentimentos…tudo. Desfiz-me! Para completar o passeio caminhamos até a cachoeira São Domingos, uma trilha recém aberta. Voltamos a casa de Seu Eduardo completando 16km. Caminhantes chegam e se vão. Nesse tempo suspenso de habitar a mesma casa conversas que nos conectam com pessoas de vários locais do Brasil, tão imenso…tão distinto. O vento sopra de outra direção, a chuva chega.

No dia seguinte pela manhã tomamos nosso último café da manhã no Pati, uma fartura de sabores da terra. Cruzamos o rio para começar a subida, uns 5km. Vários trechos da subida, e da descida para Andaraí ainda mantém o calçamento antigo. Pedras que contam um pouco da história do local. Ladeira do império. Caminhos de água construídos quando o garimpo era constante. O formigueiro humano em busca se diamantes, que enriqueceram outras coroas. Uma parada para ver a cidade ao longe…As mulas sobem com o carregamento para abastecer algumas casas. Os que as guiam nos cumprimentam, diaaa. E ao seguir nossos caminhos deixamos o Pati para trás. Passamos por um portal antigo, que de alguma forma nos avisa que saímos daquele outro mundo, em que o tempo era outro, não mensurável pelos relógios tão tecnológicos que carregamos conosco. Adentramos a cidade de Andaraí completando 15km percorridos no dia. O celular vibra compulsivamente após tantos dias esquecido. Preciso de mais um tempo…duas bolas de sorvete para saborear ainda sem me informar do que houve no mundo. Estou viva, é o que preciso avisar. Com uma sensação de vida ainda mais pulsante do que antes de entrar nesse portal que é o Pati.