Impressões

Não sei muito bem o que eu estava pensando quando comecei a procurar um curso de montanhismo. Só sabia que tinha de procurar, e pronto. Uma espécie de chamado, sabem? O CERJ foi o último que procurei, já aliviadíssima, achando que esse também não daria certo. Fui já pensando em me matricular em algo menos radical.

Mas eis que o destino me prega uma peça muito bem urdida, e quem estava no clube era a Patrícia, arrumando umas camisetas (Jesus, e pensar que eu, algumas semanas depois estaria usando uma daquelas!), que me recebeu toda feliz, toda abraçante e simpática, toda nesse jeito Patrícia de ser, já quebrando minha vontade de sair correndo dali só de ver algumas fotos de montanhas assustadoras (para quem não consegue sequer subir no último degrau de uma escada para trocar uma lâmpada). Depois, aparece o Pedrinho, todo bonzinho, vocês conhecem, né? Garantindo que tudo é muito tranquilo, que nada, que medo de altura, que eu tiraria de letra, que era tudo divertido (isso, entre duas latas de cerveja, impressionante!). Enfim, foram tão quentinhos e simpáticos, tão acolhedores, que acabaram me convencendo a tentar, apesar do pânico, da falta de jeito, dos probleminhas físicos (é a nenhuma resistência ao frio, é o joelho, são as águas de março, é a lama, é a lama…).

Culpa de vocês se, apesar de todos os pesares, dos micos, do choro, dos ataques de “não subo, me deixem, daqui eu não saio, daqui ninguém me tira, quero descer, quero desceeeer…”, eu continuo aqui, semana após semana, sempre pensando “é a última vez, não fui feita pra isso”, e sempre voltando, irresistivelmente. Aliás, culpa também do Rafael, que, ao me escrever “não se preocupe, nunca desistimos de um aluno”, me deu uma sensação de pertencimento que há muito não sentia; da Márcia D’Ávila, que me acolheu com seu carinho, suas aulas e sua própria história; da Jana, que me amadrinhou, como diz o Zé, e acho que resolveu me transformar em gente; do Zé, que sempre (pessoal, sério, sempre mesmo, acho que ele, além de ter DNA de cabra montês, é um otimista incorrigível. Deve estar no código genético dele) consegue ver “superação” lá, onde eu apenas vi limitações; da “minha” Liane, que fez questão de me guiar e não para de me dar apoio. Culpa de vocês se conheci pessoas maravilhosas, a quem devo muito, se não por toda a paciência e o carinho (vocês também estão nessa, hein, Waldecy e Elias, apesar daquela trilha insana), pelo simples fato de tê-las conhecido, incluindo meus colegas de turma, com quem já iniciei os rituais da amizade, uma religião rara, de difícil consecução, mas de inexcedível beleza.

E é por tudo isso que continuo aqui, insistindo. E também porque me apaixonei por todos (tá, por alguns em especial, tudo bem, mas por todos ainda assim). E também porque, bem lá no fundo, creio que estou começando a gostar desse negócio de subir em pedras e… (acho que não devia ter dito isso, ai, acho mesmo que eu NÃO DEVIA ter dito isso… tenho certeza que o Zé vai se aproveitar desse momento de fraqueza. Ele que se atreva. Chamo a
minha madrinha Jana).

Zoraia
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O Aluno Leva a Corda?

Aquele seria o primeiro dia do resto de nossas vidas. O dia em que aprenderíamos várias coisas: segurança em primeiro lugar; companheirismo; respeito à natureza; e vencer limites pessoais por consequência. Contudo o que deveríamos realmente reaprender já estava mais do que selado. Um certo guia já havia profetizado: – Vai ter que reaprender a andar, pois o solo é vertical!!!

Estávamos todos lá a postos no ponto de encontro como combinado, ansiedade pelo desconhecido, pessoas amistosas, porém igualmente desconhecidas me prometendo segurança e tranquilidade num clima bastante acolhedor, apesar de aflitivo

Eu, pessoalmente, já suava por todos os poros. A angústia trazia à boca um gostinho de ar seco. Outros olhares igualmente trêmulos à minha volta me passavam a certeza de que eu não estava encrencado sozinho, isso por fim ajudava a me acalmar; afinal, vamos todos nos amarrar mesmo. Tomara que as pessoas realmente saibam dar aquele prometido nó!

O guia trouxe o material na mala do carro. De lá saltam aos meus olhos os materiais que sempre imaginei estarem em torno de minha cintura, como um certo Bat-cinto-de-utilidades: capacete, eu quero o laranja, pois é mais chamativo; oito, torce a corda, eu não quero; baudrier, tem que ser o que ajusta à perna; corda… corda… P^&*%, não tem uma corda mais grossinha aí, não?

Antes que eu possa fazer menção de abrir a boca e proferir a pergunta que me aperta a garganta, ouço um aviso que emerge entre outros comentários e risadas: – O aluno leva a corda!

Tudo bem, esta cordinha fina deste jeito aí nem deve pesar tanto mesmo. E assim vou eu conferindo os puídos da magrela enquanto caminho rumo ao próximo andar, sem elevador. Vontade de voltar é o que não falta. Como que já estrategicamente pensado, o caminho não estimula a desistência, pois antes que pudesse observar ao redor, já tínhamos chegado no tal Campo Escola Grajaú. A pedra parecia amistosa, bem pequena e com uma aparente inclinação aceitável. As pessoas continuavam falantes, a vontade neste momento passa a ser a de subir e acabar logo com todos aqueles sentimentos confusos.

Enquanto na cabeça continua pipocando as mais variadas trivialidades sobre aonde estava e o que estava fazendo o tal guia-dos-avisos-proféticos subia e descia da parede enquanto explicava as técnicas, com a naturalidade de uma lagartixa.

– Moleza, parece fácil! (penso) – Ledo engano!! (concluo)

Deste dia fatídico até hoje outros nomes, técnicas; equipamentos e vias se perfilaram agregando valores em nosso dicionário, refazendo nossos conhecimentos adquiridos, metamorfoseando os participantes a cada novo fim de semana. É um tal de Coloridos, ATC, Babilônia, reverso, diedro Phoenix, mínimo impacto, rapeleiro, confia na sapatilha, 5º sup, bufa-do-velho, etc.

Boa CERJ, tanto aos Guias quanto aos colegas, nesta nova fase de cada vida envolvida.

Vanilton Santos