Caminhando pelas ruas de Púcon, esbarramos vez ou outra com o poderoso Villarrica no horizonte, liberando vapores a todo momento. Até a sua última erupção em 2015 era possível observar a lava efervescente na sua cratera, mas agora esse fenômeno se tornou raro.  É considerado um dos vulcões mais ativos do Chile, e fica a 2847 metros de altitude. A ascensão ao Villarica é um passeio  bastante requisitado, com várias agências levando turistas até a cratera do vulcão. Na mais alta temporada chegam a 300 pessoas a tentar a ascensão. No dia que fui não eram tantas, mas uma experiência diferente do dia anterior, no qual cruzamos somente com um caminhante solitário. Subimos a trilha por um trecho de terra, e depois tem início a parte nevada, quase até o trecho final. Não há tanta dificuldade técnica, só caminhar. No nevado o guia optou por irmos de crampons desde o início, pois queria que eu me acostumasse a caminhar com eles.

Eu caminhava lentamente, enquanto meus pensamentos vagueavam. Em silêncio tentava me concentrar na experiência, no caminhar, nos sentimentos…uma tentativa de conectar-me com aquela montanha. Alguns grupos passaram por nós, caminhando um pouco mais rápido. Cada um tem seu caminho, seu ritmo, seu tempo. Isso é algo que falo para mim, para me convencer. Eu acredito de verdade nisso, mas queremos…e queremos agora. Será que temos uma boa avaliação do que almejamos e merecemos? Eu desejava muito esse momento de ver e sentir um vulcão ativo. E na viagem anterior que fiz ao Chile não foi possível pelas condições climáticas. Apesar de não acreditar em predestinação, não consigo pensar que estar no Villarrica em outro momento seria tão significativo. Depois do nevado, retiramos os crampons e voltamos a caminhar na terra. Uns 15 minutos caminhando e chegamos no cume.

Uma imensa cratera fumegante. Vapor de água e dióxido de carbono são os vapores vulcânicos mais comuns, que também podem conter compostos de enxofre e halógenos, misturas em geral tóxicas. A inalação ardente tem cheiro característico, e por isso todos sobem com máscaras de gás disponíveis. Paro a distância para olhar a cratera. Nietzsche diz “Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” Senti o mesmo aqui, o vulcão me mirava. Um processo que havia começado no Llaima continuou dentro de mim. De repente entendi o porquê do meu ano fogo. Esse é um elemento de transformação, um processo doloroso por essência. Ouço alto o barulho da atividade do vulcão…um coração que pulsa ritmado. Estou sendo moldada a fogo, e aceito que as chamas toquem, não só a minha carne, como minha essência. Ambos ardemos em fogo.   Sabemos o que vem em seguida, só não sabemos o tempo que vai levar para a erupção acontecer. Espero. Depois do lanchinho no topo voltamos caminhando até o nevado. Não sem antes nos prepararmos para o método mais divertido de descer: esquibunda.

Criam na neve umas trilhas para a descida, por onde seria seguro escorregar sem bater nas pedras. Em alguns momentos precisamos caminhar e trocar de trilha. E assim seguimos. Quando primeiro olhei a inclinação fiquei desconfiada…será que vou conseguir controlar a velocidade descendo assim? Mas já na primeira descida esse receio se foi. Só alegria! Descíamos escorregando pela neve com uma linda paisagem na nossa frente. Bolinhas de neve voavam na minha direção atiradas pelo guia. Estaria eu em uma fase do Mario Kart? Rs. Ele também leva umas bolinhas de neve em retribuição. Diverti-me muitíssimo! Depois da neve, mais um trecho de descida caminhando e estamos no carro. De longe observo o Villarrica, me observo. Em mapuche o vulcão se chama Rucapillán, que significa casa dos espíritos. E no topo desse vulcão esses espíritos ancestrais me ofereceram abrigo e proteção. E sinto que posso ser vulcão sem culpa, como diz Ryane Leão. Espero.