Enrolados e enroscados na Agulha do Diabo
Data: 14 de setembro de 2024, sábado
Participantes: Waldir Junior e Igor Costa; Marcelo ‘Magal’ Mattos e Bruno Dulcetti
Relato por Igor Costa
Durante o churrasco de formatura do último CBM, várias cordadas foram marcadas. Uma das mais aguardadas por mim e pelo Junior era a subida da Agulha do Diabo, uma das escaladas mais cobiçadas e bonitas do mundo. Aproximando-nos da data, Magal – que todo ano leva os novatos (nós) até lá – montou um planejamento que considerava entrarmos no parque assim que ele abrisse, às 7h da manhã e começar a caminhar no máximo às 7h30; fazer a aproximação em cerca de 4h ou 4h30, estando na base às 11h30 ou 12:00; começar a escalar de imediato, fazendo cume por volta das 16h ou 17h; fazer os rapéis em 1h30 ou 2h, retornando à base às 18h30 ou 19h. Nas palavras dele: “Se tudo correr super bem, chegaremos no carro de volta entre 22h e 23h. Se formos super dinâmicos e ágeis, conseguimos reduzir o horário de retorno ao carro para 20h ou 21h.” Como ele estava enganado…
Foto 1: A magnífica Agulha do Diabo vista do grotão de acesso à base.
Logo no início da subida, quando chegamos na cachoeira Véu da Noiva – que está completamente seca, aliás –, nos encontramos com três rapazes do CEB que também estavam indo para a Agulha. Eles eram jovens e pareciam bem rápidos, pois tinham passado pela gente logo abaixo. Então, quando eles saíram, mantivemos a boa ética de montanha de deixá-los seguirem e nós tocaríamos logo atrás, sem apertar o passo, mantendo nosso ritmo.
A caminhada de subida, como planejado, começou exatamente às 7h40 na Barragem e às 11h30 estávamos na base da Agulha. Ao chegarmos, os camaradas do CEB estavam se equipando e se preparando para começar a cordada deles. Nós então fizemos nosso lanche reforçado e ficamos ali trocando ideia com eles. Então descobrimos que eles estavam fazendo pela primeira vez, o que foi bem legal, porque o Magal acabou dando várias dicas ao longo de toda a escalada para eles, o que acho que lhes ajudou bastante.
Quando eles tinham liberado a primeira enfiada, Junior decidiu que eu iria guiar essa – não tive participação nenhuma nessa escolha. Eu nem queria guiar! Mas lá fui eu. O lance é bem esquisito, mas fiz com razoável tranquilidade, escalando até rápido e puxei o Junior, que já tocou a próxima, até a dupla na base do diedro. Como os meninos do CEB tinham feito parada em uma árvore antes da dupla, nossa cordada se misturou. Magal veio logo depois do Junior e quando ele chegou na parada eu já estava saindo, liberando o espaço para ele e Bruno.
Foto 2: Na base, começando a escalada e com pose de escalador de verdade… “Peraí, eu nem queria guiar isso! O que estou fazendo aqui?”
Na base do diedro, ficamos Junior e eu olhando o lance e pensando quem tocaria esse. Eu até queria fazer, pois achei o lance muito bonito, mas confesso que estava com medo. Primeiro grampo alto, com queda de base. Mas decidi ir. Comecei em oposição na parede da esquerda e daí fui me entalando na fenda para tentar alcançar o primeiro grampo. Nisso, senti que meu pé iria vazar e meti a mão na costura da cordada que estava acima. Sorte! Meu pé esquerdo vazou de repente logo em seguida e eu fiquei meio que pendurado na costura. Aproveitei e costurei a minha corda e toquei mais um pouco pela fenda até o friso logo acima. Ganhei o friso e costurei o próximo grampo – e esse lance é realmente muito bonito! Um frisozinho de pé, bem coladinho à parede, muito legal. A parada logo acima estava lotada: Dois rapazes do CEB e eu. Daí chegou o terceiro da cordada deles e puxei o Junior.
Foi então que eles começaram a tocar o próximo lance, o que foi liberando espaço para gente poder se organizar. Assim que o último deles sumiu lá na frente, Junior já saiu guiando esse trecho, que é basicamente uma caminhada, com exceção do início, em que há um lance bastante exposto, mas fácil. Ao chegar onde o Junior estava, eu toquei até a base da primeira chaminé. Junior veio e logo em seguida chegaram Magal e Bruno.
Nessa hora, Magal olhou para a corda deles e falou: “O que vocês estão fazendo?!” A rota normal, nesse trecho, é indo até o fundo da chaminé e atravessando os blocos entalados ali. O lance não tem grampos, mas é um trepa-pedra razoavelmente fácil – menos para o Bruno, que disse ter tido alguma dificuldade nessa parte. O Wil, contudo, fez a chaminé por fora dos blocos, num longo trecho (15m, talvez) sem grampo algum. O lance não parece difícil, uma chaminé média de III ou IIIsup, provavelmente, mas nós passamos o resto do dia brincando que eles tinham aberto a Variante do Wil, principalmente porque ele guiou na mais absoluta paz e tranquilidade esse trecho.
Foto 3: A feição típica do Magal durante a escalada. “Igor, meu filho, o que você está fazendo aí em cima? Libera essa corda e toca o lance, pelo amor de Deus!”
Eu subi na frente esse lance dos blocos e cheguei à base do artificial mais acima. Aqui a confusão foi generalizada. Ficamos Wil e eu no grampo na base no artificial, em cima de um bloco de pedra. Como os outros membros da cordada do CEB (Bruno, o deles, não o nosso; e Matheus) estavam tendo dificuldades na chaminé, Magal gritou debaixo para eu tocar o artificial até o platô, ao que o Wil concordou. Quando fui fazer isso, percebi que minha corda e uma costura estavam entaladas com vontade no bloco de pedra. Por mais que eu puxasse e subisse em cima dela, nada fazia ela sair. Daí o pessoal do CEB foi chegando e acabou que eles se mantiveram à frente de novo.
Eu consegui então desenroscar a costura e liberar minha corda, puxei o Junior e toquei então o artificial, puxando finalmente o Junior até o platô. Logo em seguida vieram Magal e Bruno. Ali no platô, na base do lance do cavalinho, Magal deu todas as instruções para o pessoal do CEB sobre como fazer o cavalinho e as dicas para a chaminé da unha. Wil, como sempre, foi à frente da cordada deles e depois puxou os companheiros. Combinamos ali que eles ficariam um tempo no cume e que nós ficaríamos na dupla ao final da chaminé da unha. Assim que eles descessem, nós tocaríamos para o cume. Já estava ficando tarde e, nesse momento, nós sabíamos que faríamos cume por volta das 18h, bem fora do nosso planejamento.
Foto 4: Junior guiando o lance do cavalinho… Desse ângulo vê-se a buraca que é se você por algum milagre conseguir cair da fenda de meio corpo. Ao fundo, o Mirante do Inferno e a linha do grotão de acesso à base da Agulha do Diabo – linha fechada de vegetação verde à direita do mirante.
Junior queria muito guiar o cavalinho e a chaminé da unha – e eu queria muito não ter guiado nada! –, então problema algum. Lá foi ele! Passou o lance do cavalinho tranquilo e então tocou a chaminé de boas. Magal não esperou que ele terminasse. Assim que ele saiu do cavalinho, entrou também no lance. Junior chegou no final da chaminé e me puxou. E em seguida foi o Bruno. Eu confesso que achei esse lance menos difícil do que eu esperava. O lance do cavalinho, apesar do psicológico comprometedor, é bem “maceteado” (fizemos todos com as costas para baixo, olhando para cima) e com meio corpo entalado, empurrando com o pé direito que fica dentro da fenda e ajudando com o esquerdo na borda. A chaminé, por sua vez, é estreita no início, mas se torna uma chaminé média bem mais fácil uns poucos metros acima. Fizemos a primeira parte, até o friso, com as costas viradas para a Agulha e a segunda parte com as costas viradas para a parede da unha.
Foto 5: Eu no lance do cavalinho. Sem menosprezar, mas o lance na verdade parece mais difícil do que de fato é.
Quando Bruno e eu chegamos no final da unha e nos organizamos ali nas duas duplas, eu fui tocar o lance do cabo de aço. Costurei no olhal a primeira e na chapeleta a segunda. O próximo lance, porém, era longo, com o cabo bem afastado da parede e muito vertical. Eu estava muito cansado e com as mãos suadas. Consegui colocar a costura no olhal, mas não tive mais forças… Eu estava de fato prestes a tomar uma queda épica! Adrenei! Meu braço bombando… Na parada, embaixo, sem nem olhar, eu sentia a tensão dos meus companheiros, mu-mu-mudos num silêncio sepulcral. Agarrei com o resto de força que tinha no cabo e fui descendo o mais controladamente que consegui até a última costura. Daí Junior me desceu de baldinho… A escalada, para mim, terminava ali. Mente fritando, sem cume, mas bem feliz!
Meus companheiros ainda insistiram para eu fazer com corda de cima o lance, mas eu percebi que minhas forças estavam no limite… E ainda tinha o rapel e a caminhada… Melhor não… A Agulha estará ali ainda por mais alguns milhões de anos… Terei outras oportunidades…
Junior então tocou a última enfiada e eu troquei de lugar com o Bruno, que queria muito fazer cume. Magal decidiu que também não iria subir. Ele estava cansado e, afinal, já tinha feito várias vezes mesmo. E já estava ficando de noite. Eu rapelei então até o platô e Magal ficou lá no final da unha gerenciando os dois pupilos que estavam no cume. Eles rapidamente tiraram umas fotos e começaram o rapel.
Foto 6: E a flâmula do CERJ tremula mais uma vez no cume da Agulha do Diabo. Se um membro de cada cordada chegou ao cume, então as duas cordadas chegaram! Sinto-me contemplado pelos meus companheiros, Bruno (de capacete preto) e Junior!
A dinâmica do rapel, apesar de noturno, foi bem rápida e tranquila. Magal e Junior foram na frente e já montando e Bruno e eu ficamos por último, eu fechando o rapel e conferindo a montagem e procedimentos do Bruno. Rapidamente estávamos na base e logo na trilha do grotão. Apesar de longa e cansativa, a caminhada de retorno foi sem incidentes. Chegamos no carro às 22h35 – o que não foi lá muito distante do nosso planejamento inicial – e partimos felizes e cansados para casa.
Só tenho a agradecer ao Magal por nos dar essa oportunidade incrível e buscar sempre cuidar e treinar os novos membros do clube, confiando na nossa capacidade e nos colocando sempre à prova! E é sempre um prazer escalar com meu parceiro W. Junior e com o divertidíssimo Bruno Dulcetti, mestre na arte de usar xingamentos como ferramenta de alívio de tensão.
E o Magal agradece à Anabel por assumir o Miguelzinho e possibilitar a ele ficar fora o dia todo.
E um agradecimento especial, de todos nós, ao CERJ, nosso clube do coração!