Na gestão do Ministro da Agricultura Dr. Fernando Costa, o engenheiro-agrônomo Armando Vieira idealizou o Parque Nacional da Serra dos Órgãos que tornou realidade com o Decreto-lei nº 1822 de 30 de novembro de 1939. Para administra-lo foi nomeado o engenheiro-agrônomo Gil Sobral Pinto, que encetou a sua tarefa em 21 de setembro do ano seguinte e que em seu relatório conta “os trabalhos se iniciaram junto à velha casa do guarda da prefeitura, no local denominado “Caixa d’água”, quase inacessível e explorado como pedreira pela municipalidade há 17 anos. Lá se chegava por caminho estreito, tecnicamente defeituoso, verdadeira “montanha russa” com rampa de até 20 % e que só dava acesso após vários dias de sol. Sem meio de transporte, os primeiros trabalhos foram sobremodo árduos e consumiram-se no reparo das imperfeições topográficas produzidas por interferência humana”.
A estrada que deveria ligar a Sede a Barragem, foi atacada sem esmorecimentos e, simultaneamente melhoravam-se as condições do antigo caminho de penetração da serra, rumo a Pedra do Sino, facultando esse para pedestres ou cavaleiros. Grandes trechos foram substituídos por novos traçados, desviando-se de riachos e suavizando-se o aclive. A toca dos Caçadores foi ampliada e no sopé da grande pedra ergue-se o Abrigo n. 1 que muito mais tarde foi condenado por se verificar que a pedra estava se deslocando. Os abrigos ns. 2, 3 e 4 foram sendo edificados à medida que os recursos financeiros chegavam.
O Dr. Sobral Pinto exerceu a administração do Parque de 115 meses, entre 11 de setembro de 1940 e 30 de maio de 1943, e depois, entre 8 de maio de 1943 e 9 de abril de 1951. No período de interrupção foram administradores os Drs. Neach da Silveira Azevedo (6 meses) e Wanderbilt Duarte de Barros (5 meses). Em 1951, o parque foi entregue ao Dr. Quintino Maranhão, por 5 meses, que passou o cargo ao Dr. Manuel Verçosa de Gusmão Fraga, que ficou por 42 meses, sendo substituído pelo Dr. Dael Pires Lima em março de 1955. Um ano de pois assumia o Dr. Ulderico Cerqueira Luz, que em outubro de 1956 passava para o Dr. Elyowald Chagas de Oliveira.
Na operosa administração do Dr. Gil Sobral Pinto foram erguidos no Parque Nacional da Serra dos Órgãos edifício-sede, 13 casas diversas, 2 depósitos, 1 garagem e 4 abrigos de montanha. Foi inteiramente construída a estrada que liga o antigo Poço Sloper à que vinha da Granja Guarani e, daí até a Barragem, restaurando-se a rodovia existente. Estas e outras obras, tais como jardins de entrada, lago-piscina, sanitários, redes de água e esgoto, luz e telefone, totalizaram uma despesa de 13.247.000 cruzeiros da época. As despesas de manutenção do mesmo período atingiram 3.790.000 cruzeiros, tendo o Dr Gil Sobral Pinto deixado o Parque em 28 de fevereiro de 1951, sem dívidas de espécie alguma e com algum saldo em caixa para ocorrer às despesas de março seguinte.
OS ABRIGOS DO PNSO
Ivo Pereira, na edição do “O GLOBO” de 08 de dezembro de 1969 escreve: “Do ex-abrigo n. 1, só existe a pré-histórica Toca dos Caçadores. O abrigo foi desmontado devido ao deslocamento da grande pedra que fazia às vezes de parede de fundo. O abrigo n. 2, sito a 6 Km da entrada do Parque, ostenta ainda em sua fachada a placa de bronze de 21-09-45 na qual se consigna ao Dr. Gil Sobral Pinto o título de “grande amigo dos excursionistas” representados pelos filiados da extinta União Brasileira de Excursionismo. Presentemente se encontra o “2” em estado deplorável, com seus alicerces carcomidos pela umidade e falta de conservação. A administração interditou-o há alguns anos e aguarda pacientemente que os engenheiros do Ministério da Agricultura ou do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal promovam a solução do caso. Lá, também, existia até recentemente um gerador elétrico parado há mais de 10 anos e simplesmente abandonado a ferrugem.
O abrigo n. 4, no Km 10.5, está bem melhores condições, ressentindo-se, entretanto, da falta de vigilância e carência de água encanada, com a tubulação entupida há muito tempo. Do abrigo n. 4 restam somente algumas paredes remanescentes da depredação criminosa ocorrida em fevereiro de 1963. Lamentavelmente o administrador não procurou apurar os autores do vandalismo e nenhuma providencia tomou para reconstrução de tão precioso refúgio. Aquilate-se a falta do “4” ao se considerar a privilegiada situação em pleno Campo das Antas servindo para os que se destinavam às Pedras dos Sino, S. Pedro, Papudo, Cabeça de Cão, Garrafão e Pipoca.”
Ivo continua: “A propósito, relembramo-nos a reunião que o Sr. Elyowald Chagas de Oliveira houve por bem convocar para o dia 26 do mês epigrafado dos representantes dos clubes excursionistas, no Acampamento 13 de Maio. Na ocasião o ilustre titular que estava prestes a ser exonerado solicitou e foi atendido uma declaração dos presentes afirmando não terem os mesmos constatado quaisquer desfigurações ou desmatamentos na região percorrida usualmente pelos mesmos. Sendo verdade o fato, foi feita tal declaração, uma das defesas que o Sr Elyowald aproveitou para se manter no Parque. Em contrapartida foi prometido aos excursionistas que graças a uma verba suplementar de três milhões de cruzeiros antigos, seria reconstruído o Abrigo n. 4 e levantados os abrigos da Cascata Grande do Paquequer e da base do Dedo de Deus. Promessas que nunca foram cumpridas… O referido abrigo voltou à baila em fins de 1964, quando o então diretor da Faculdade de Arquitetura, Pro Otacílio Sabóia, e o engenheiro¹ montanhista Ricardo Menescal, encaminharam ao administrador plano para sua reconstrução. Os alunos daquela escola superior forneceriam material, mão-de-obra técnica e operária e o PN daria transporte e alguma ajuda possível. Infelizmente foi desprezada a oportunidade, por razões desconhecidas.”
“No decorrer dos 360 meses de existência do Parna Serra dos Órgãos, dos quais 157 sob administração do Sr. Elyowald Chagas de Oliveira, o que representa 44% do tempo supra, fato único na história dos parques no Brasil, por duas vezes baixou-se o “interdito proibitório” de frequência às suas áreas interiores. A primeira perdurou entre 08-09-1967 a 01-07-1968, sob o pretexto do incêndio ocorrido na encosta do Morro Santo Antônio Mirim, local afastado daquela região e raramente visitado por excursionistas. Em fins de julho do corrente ano, outro pequeno incêndio, nas proximidades do Abrigo n. 3 deu motivo à nova interdição em vigor até a data de hoje.”
FAZENDA GARRAFÃO
As terras da Fazenda Garrafão ficavam onde hoje estão situadas as principais montanhas do Parque – Escalavrado, Dedo de Nossa Senhora e Dedo de Deus.
O caso é que a Fazenda Garrafão, compreendendo a área citada, havia sido desapropriada pelo Decreto n. 34.780 de 14/12/1943 e, lamentavelmente, os anos correram sem nunca aparecer à verba que cobrisse o valor atribuído à mesma. E o GLOBO de 17 de novembro de 1958 noticiava a aproximação da data fatal de caducidade da desapropriação pois, por força do mesmo decreto, o governo teria que proceder a indenização prevista, cerca de sete milhões de cruzeiros da época, no prazo de cinco anos. Por outro lado, os proprietários pretenderam de início lotear as referidas terras que, apesar de acidentadíssima, estando à margem da rodovia, se tinham valorizado imensamente.
Seria cometido um crime lesa-natureza, além do consequente prejuízo aos mananciais abastecedores de várias cidades fluminenses, afetando também a estrada de rodagem ora em construção. A campanha brilhantemente conduzida pela imprensa, onde muito colaboraram e quase anonimamente os jornalistas Idalício Manuel de Oliveira Filho e José Alves da Fonseca, veteranos montanhistas, foi desenvolvida nos meandros das repartições dos Ministérios da Agricultura e Fazenda. Verificou-se então a extraordinária atuação do Dr Secundo Costa Netto, Presidente da União Brasileira de Excursionismo (UBE), a FEMERJ da época, coadjuvando intensamente nos trabalhos dos Drs. Vitor Farah e David de Azambuja, titulares do Conselho Florestal e Serviço Florestal. Dr Secundo convocou uma reunião entre os clubes excursionistas, imprensa e dezenas de interessados, surgindo daí uma comissão de alto nível para acompanhar os tramites do processo que se achava esquecido numa repartição do Gabinete Civil da Presidência da República.
Superando as inúmeras dificuldades burocráticas, numa espantosa corrida contra o tempo, do dia 22 de novembro a 12 de dezembro de 1958. portanto em menos de 30 dias, venceram a árdua batalha: a Fazenda Garrafão, por escritura pública inserida no “Diário Oficial” de 13 de dezembro passava ao patrimônio da União.
Desde o primeiro brado de alerta dado pelo CEB, em agosto de 1957, até a vitória final, conseguida a duras penas, os excursionistas sempre tiveram atuação destacada. Foi, portanto, um grande e inestimável serviço que o excursionismo prestou ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos.
Waldecy Mathias Lucena