TIPO: Conquista (Primazia)
CLASSIFICAÇÃO: caminhada pesada com bivaque; escalada em mato.
LOCALIZAÇÃO: Magé, no Distrito de Santo Aleixo. Parque Nacional da Serra dos Órgãos.
DATA DA CONQUISTA: 16 de setembro de 2002.
CONQUISTADORES: Waldecy Mathias Lucena (CERJ), Mário do Carmo Senna (CEG), Ricardo de Moraes Almeida (CEC).

Há alguns anos, numa subida ao Escalavrado, reparei uma enorme formação rochosa em forma de agulha, perdida no meio de um vale, e fiquei me perguntando “quem” era essa tal agulha. Nos meus estudos sobre a Serra dos Órgãos descobri que era a Agulha dos Italianos. Em 2000, estive por três dias nos planaltos da Serra, e numa caminhada entre o Pico do Eco e o Pico dos Quatis, pude então me deparar de frente com essa montanha. Ficou assim o desejo de conquistá-la.

No início deste ano, durante a subida da Agulha Duas Vertentes, combinamos de subir a Agulha dos Italianos ainda em 2002. Começamos a traçar o melhor caminho de ataque. Inicialmente, imaginei tentar pela parte alta do Parque, saindo dos Castelos do Açu, indo ao Pico dos Quatis e de lá, através de uma grande crista sudeste, abrir uma trilha até a base do Italianos. As investidas para a Agulha ficaram assim:

Dias 24/25 de julho
Fernando Fajardo (Velho), João Paulo (JP) e eu fomos até os Picos do Eco e do Quatis para certificar a viabilidade do acesso pela parte alta do Parque. Dormimos no acampamento Beija-Flor. Ainda no primeiro dia saímos em missão de reconhecimento e percebemos que o ataque por cima seria uma gigantesca empreitada e ainda sairíamos num lado negativo dos paredões da Agulha dos Italianos. Foi decidido, então, que o ataque seria por Santo Aleixo ou pela parte baixa do parque. Acampamos e retornamos para casa no dia 25, fazendo a Travessia Sudeste x Sudoeste do Açu, caminhada belíssima que já fizera outras vezes. Cerveja, jantar no Cebolinha e descida direto para a reunião social do CERJ! Eu ainda voltaria no dia 17 de agosto em solo até o Falso Açu, para resgatar uma calça que eu havia esquecido durante a travessia.

Dia 23 de agosto
Primeira exploração pela parte baixa do Parque Nacional. Fomos Velho, Mário e eu. Em Santo Aleixo, nos dirigimos ao bairro Andorinhas. Café da manhã na padaria da praça e lá fomos nós, sempre consultando os mapas, bússola e altímetro. Estávamos atrás de um grande vale que vai de encontro a Agulha dos Italianos. Pela localização das montanhas matamos logo a charada: fomos direto até ele. Trata-se de um vale maravilhoso, com o Rio Magé correndo dentro dele. Pergunta um pouco aqui, um pouco ali e lá fomos nós numa trilha de caçadores que achamos. Muitas erradas e, no final da tarde, quando já pensávamos em voltar, CONSEGUIMOS VER A PONTINHA DA AGULHA DOS ITALIANOS.

Dia 06 de setembro
Queríamos ir o mais fundo possível do vale. Café da manhã na mesma padaria, e parto Mário, Velho e eu. As trilhas de caçador são muito marotas, hora desaparecem, hora cruzam o rio sem dar indicações, consumindo um enorme tempo nosso. Na hora de voltar, subimos até um mirante, e de lá, vimos o quanto essa Agulha estava longe! Decepção!

Dia 12 de setembro
Ânimos renovados, partimos novamente Velho, Mário e eu, para então tentarmos subir uma montanha próxima a Agulha dos Italianos, o Jacutinga, cuja grande crista iria se juntar com a crista que descia do Quatis. Dia todo e nada. Outra decepção. Resolvemos que a rota certa era mesmo dentro do vale que estávamos na investida anterior!

Dia 12 de outubro
Dessa vez, somente Mário e eu fomos bem lá no fundo do vale. Fomos num ponto que percebemos que estávamos bem perto da Agulha dos Italianos.

Dia 19 de outubro
Ricardo de Moraes, o nosso velho guerreiro, está de volta. Dessa exploração participou ele junto do Mário. Eu estava em Salinas com o curso básico do CERJ. Bom, conseguiram! Ficaram de frente para a Agulha. A partir daí exploração somente com bivaque e possivelmente o cume!

Dias 15, 16 e 17 de novembro
Finalmente conseguimos conciliar uma data em comum para nós quatro. De última hora, o filho do Velho quebrou o braço num acidente de bicicleta e ele teve que ficar no Rio. Lá fomos Ricardo, Mário e eu. O tempo estava se estabilizando, saindo de uma frente fria. Saída do Rio às 6 horas da manhã. Estratégica parada na padaria da praça, em Andorinhas. Quando deixei o carro lá no Seu Antonio, no pé da trilha, lembrei que estava sem filme – não podíamos deixar o acontecimento sem fotos. Como iríamos provar que estivemos lá? Voltei para a praça e comprei um filme, sem antes ser mordido por um cachorro!

Iniciamos a caminhada às 9 horas com mochilas cargueiras super pesadas. Levávamos material de conquistas, corda, material de bivaque e comida para quatro dias. Os 40 minutos finais são por dentro do Rio Santo Aleixo. Chegamos ao local de bivaque às 14:50 horas, exaustos. Definimos um pequeno platô como o nosso bivaque, distante do rio o suficiente para evitar as cabeças d’água. A cozinha ficaria um pouco mais acima, fazendo um pequeno lance em aderência. E que cozinha! Rio correndo ao lado e um super visual!

Resolvemos imediatamente iniciar nossa exploração, pois já queríamos definir o ponto certo para subir a montanha. Imaginamos uma passagem pela face sudoeste da montanha, porém teríamos que vencer um profundo vale para alcançá-la. Fomos então contornando a montanha até esse profundo vale desaparecer. Vimos que pela face nordeste seria possível, e ainda ganharíamos este vale. Como ainda tínhamos que montar o bivaque, marcamos apenas o início da subida e retornamos.

O nosso bivaque era um tarpe de nylon, estrategicamente esticado com bambus e cordeletes pelo Mestre Mário Senna. Sete da noite, jantar feito pelo Mário – macarrão com alho e cebolas refogadas no azeite. Que fome! Bate papo sobre o dia de amanhã e fomos dormir às 10 da noite. De madrugada caiu uma super chuva com muito vento e raios. Tivemos que nos espremer debaixo do tarpe. Por causa do peso da mochila, eu estava sem saco de dormir. Que noite horrorosa!

Amanhece. Dia glorioso! O sol reaparece e nossas esperanças também! Café da manhã reforçado e, às 7:15 horas, fomos à luta. Em 40 minutos já estávamos colados à parede de mato. Você já escalou uma parede de mato? É interessante! Numa mão, o facão; a outra, espantando os mosquitos, e lá vai você. Era um super paredão de mato, muito em pé, de longe bem pior do que encontramos nas Duas Vertentes. Em determinado momento, demos segurança para o Ricardo e ele conseguiu passar o lance chave. Fomos ziguezagueando pela parede, sempre tentando o melhor caminho (menos inclinado). Horas se passaram. Fizemos um pacto: como não queríamos mais voltar ali, o cume tinha que ser conquistado naquele dia! Nem que tivéssemos que bivacar na montanha ou regressar de madrugada. De repente, a parede sede um pouco a sua inclinação. Conseguimos ver o possível cume lá longe. Será que estarei perto assim? Essa montanha já me pregou tantas peças, será que ela já está se entregando?

Uma escalada em mato e rocha. Pedimos corda. Estamos pertos. Como a vegetação está muito fechada e todos estamos muito cansados, vamos nos revezando na frente. Três facões trabalhando, calor e cansaço…. mas também felicidade! Alguns lances de pedra e cheguei no lance final, a tal verruga que teríamos que escalar. Mais do que rapidamente Ricardo e eu começamos a nos equipar. Mário, completamente exausto, chega. Ricardo resolve subir pela lateral da verruga, numa fenda bem maluca. Faz o lance. Está num platô a dois metros do cume. Lá vou eu. Mário sobe por uma língua de mato. Quando chego, Ricardo me diz: “Aí Wal, a honra do cume é toda sua”. Respondo que o cume é de nós três. Ricardo vai até o cume. Eram 14:10 horas. O cume é uma pequena aresta, como uma faca onde mal cabem duas pessoas. Resolvemos bater um grampo para, em primeiro lugar, marcar a nossa chegada e, em segundo, facilitar a descida até a base da verruga. Como estávamos muito cansados, nos revezamos nas batidas. Eu finalizei o grampo. Depositei debaixo desse lance um pequeno tapperware com um livro de cume com os dizeres: “CERJ – AGULHA DOS ITALIANOS, CONQUISTADA EM 16 DE NOVEMBRO DE 2002, POR WALDECY MATHIAS LUCENA, MÁRIO DO CARMO SENNA E RICARDO DE MORAES.”

Do cume, consegui visualizar todos os sacrifícios para se chegar a esta montanha, erros e acertos. O Morro dos Quatis e os Picos Eco, Solidão e Agulha Duas Vertentes faziam um enorme anfiteatro onde estava inserido o Vale dos Italianos com a Agulha de mesmo nome. Visual este indescritível. HAVÍAMOS CONQUISTADO O ÚLTIMO CUME VIRGEM DA SERRA DOS ÓRGÃOS.

Rapelamos a verruga para nos desequipar em sua base, lanchar e começar a baixar, pois uma enorme chuva estava para se armar. Descida às 15 horas. Ainda fizemos mais três rapéis em árvores. Descida de início um pouco nervosa. Em caso de qualquer vacilo havia abismos dos dois lados e nada te segurando. As mochilas pesavam, pois havia nelas todo o material de conquista mais o material pessoal para o possível bivaque. Quando terminamos de descer a parede de mato, aí sim, aliviados, veio os comprimentos e abraços. Lembro-me de ter dito ao Ricardo: “Parabéns, fizemos algo que marcou nossas vidas.” Voltamos ao bivaque, onde chegamos às 17:45 horas. Super banho e jantar. Não é que a tão esperada chuva resolve nos surpreender na hora do jantar! Mas aí é festa! Ficamos no bivaque papeando até as 10 da noite.

Dormi um pouco melhor. No dia seguinte, café da manhã reforçado e desmonte do bivaque. Muito sol. Tomamos alguns banhos de rio. Quatro horas e meia de caminhada irritante! Trilha fechada, cansados, mochila pesada, mosquitos e muito calor e umidade. Merecido banho de rio no final, lá nos poços do Seu Antonio. Descida de carro direto para a padaria da praça. Tomei uma Coca-Cola. Deixamos Santo Aleixo, os três espremidos na Toyota, sabendo que um dia voltaríamos a Santo Aleixo, mas não para a Agulha dos Italianos.

Mário me disse no cume que o livro de cume tinha muitas páginas, mas que ninguém jamais iria lá. Eu acrescentei dizendo que também nós nunca mais retornaríamos. Fomos os CONQUISTADORES DO INÚTIL. Mas penso que não. Fizemos isso tudo por nós mesmos. De ter, a cada semana, o companheirismo dos verdadeiros amigos, fazendo o que mais gostamos… SUBIR MONTANHAS!!

Waldecy Mathias Lucena